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Empatia não é suficiente

Tirinha da série utópica de André Dahmer

É uma alegria ouvir mais e mais a palavra “empatia”. No entanto, ela tende a ser usada como um guarda-chuva para coisas bem diferentes, às vezes como se fosse algo completo por si só. Com essa linguagem vaga, fica mais difícil reconhecer os processos internos que queremos estimular quando falamos em empatia. Por isso recomendo a leitura de A revolução do altruísmo, de Matthieu Ricard (doutor em genética molecular, fotógrafo e monge budista, com grande experiência em integrar neurociência e métodos contemplativos em primeira pessoa), que acabou de ser publicado no Brasil pela Palas Athena.

Para evidenciar o limite da empatia, Matthieu pesquisou o fenômeno do burnout, exaustão emocional muito comum entre cuidadores que lidam diariamente com o sofrimento, como profissionais de saúde e agentes sociais. Junto com a psicóloga alemã Tania Singer (diretora do departamento de neurociência social no Instituto Max Planck) e usando ressonância magnética funcional para gerar imagens em tempo real da atividade do cérebro, Matthieu sentiu apenas empatia por uma hora e meia, visualizando cenas de pessoas em sofrimento extremo. O resultado de isolar a empatia foi cansaço, mal-estar, sensação de impotência e um impulso de se distanciar. Logo depois, mantendo o mesmo contato empático com o sofrimento, assim que ele introduziu a prática de compaixão, sua mente se transformou: a aflição se dissipou e surgiu disposição amorosa para ajudar. Eles descobriram que, de fato, as redes neuronais ativadas pela empatia são bem diferentes das ativadas pela compaixão.

Portanto, não é uma questão de definição teórica, mas de processos que podemos praticar. Empatia é a capacidade de entrar no mundo dos outros (via imaginação cognitiva ou ressonância afetiva). Amor é o desejo de que todos os seres sejam felizes e encontrem as causas da felicidade — inseparável do altruísmo, a motivação de valorizar e beneficiar os outros. E compaixão é o desejo de que todos os seres não sofram e superem as causas do sofrimento — como diz Matthieu, quando o amor altruísta encontra o sofrimento do outro por meio da empatia, ele se torna compaixão.

Para cultivar o altruísmo, é crucial ampliar a capacidade de não se perturbar, de se manter calmo e estável em meio a uma situação com grande potencial aflitivo. Precisamos também de sabedoria ou clareza sobre a realidade, de modo a entender como o sofrimento se constrói e quais métodos podem liberá-lo. Às vezes ajudamos bem mais quando oferecemos o que o outro precisa, não o que diz querer.

O vídeo “Agonia”, do grupo Porta dos Fundos, mostra um médico com bastante empatia, mas sem equilíbrio e sem compaixão: ele tem uma grande capacidade de sentir a dor do outro, porém reage com tanto medo que não consegue sequer manter os olhos abertos, incapaz de realmente ser útil. É parecido com a gente tentando ajudar alguém com depressão, ansiedade ou raiva em meio a experiências que também nos perturbam. Por favor, leia A revolução do altruísmo.

Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa” da revista Vida Simples (edição 160, julho 2015).

Matthieu Ricard sobre a diferença entre empatia e compaixão

Matthieu Ricard no Nepal conversando com as crianças apoiadas por sua organização (para onde vai 100% de tudo o que recebe por todos os seus livros, palestras e trabalhos): Karuna-Shechen.org

“No seio do amor altruísta a empatia manifesta-se quando nos confrontamos com os sofrimentos do seres, e essa confrontação é que gera a compaixão (o desejo de remediar esses sofrimentos e suas causas). Assim, quando o amor altruísta passa através do prisma da empatia, torna-se compaixão.”

“O amor altruísta cria em nós um espaço positivo que serve de antídoto à aflição empática e impede que a ressonância afetiva se amplifique a ponto de tornar-se paralisante e de ocasionar o esgotamento emocional característico do burnout. Sem o aporte do amor e da compaixão, a empatia entregue a ela mesma é como uma bomba elétrica na qual a água não circula mais: ela vai rapidamente superaquecer e queimar. A empatia deve portanto tomar lugar no espaço muito mais vasto do amor altruísta.”

—Matthieu Ricard (no livro “A revolução do altruísmo”)

Ainda sobre o limite da empatia

Fonte: O Lugar

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